segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Como estão as produções?

Pensei em continuarmos postando nossas novas produções por aqui e assim mantemos algum contato. Que tal?
Saudações a todos

karen Cordeiro

quinta-feira, 27 de março de 2008

VIAGEM AO REDOR DOS MEUS LIVROS

MÓDULO: “LEITORES E ESTRATÉGIAS DE LEITURA”
PROF. : ÉRICO BRAGA
ESPECIALIZAÇÃO PUC-RIO 2007 – Rio,20 de Janeiro de 2008
RITA ALENCAR

VIAGEM AO REDOR DOS MEUS LIVROS

Devia ter uns 5 ou 6 anos, naquela época o meu mundo basicamente se resumia à casa de meus avós paternos. Rua Izabel, na bucólica Manaus dos anos 60. A rua era o nosso território livre, pique-pega, queimado, pula corda, brincadeiras até o pôr-do-sol , quando suados e exaustos atendíamos aos apelos incansáveis de nossa avó para o banho e a janta. Isso era o normal, o trivialíssimo cotidiano e não precisávamos mais do que isso, só que no Amazonas chove e chove muito e todo dia. Aliás só há duas estações no ano, a das chuvas que vai de dezembro à junho e a do calorão abafado que vai de junho em diante. Então o que fazer quando não podíamos nos esbaldar na Rua Izabel e sua gloriosas três mangueiras, nos dias de chuva? Bem, além de tomar banho de chuva, havia a opção de ficarmos quietinhos ao pé da cadeira de balanço (que era de macarrão colorido) de vovó Lili, que docilmente nos contava estórias de contos de fada ou lendas do nosso folclore local, enquanto trançava magnificamente entre os dedos ágeis, pequenas maravilhas de crochê. Mas a tarde era longa e a casa (uma construção antiga feita pelos imigrantes Portugueses) não nos dava opções à não ser correr em algazarras felizes, por entre os cômodos. Neste ponto tenho a recordação do primeiro impacto que sofri com a Literatura. Nosso avô Mundico, desembargador aposentado e erudito, gostava de deitar-se ao mormaço das tardes embalando-se na rede de sua biblioteca de corredor, sabíamos que era perigoso passar em disparada pela lateral estreita entre sua rede e a “parede” de livros, mas era excitante também, para nós e para ele de certo, parávamos, tirávamos uma reta e nos largávamos na aventura! Era óbvio que ele estava acordado e participando também da brincadeira, mas era gostoso o sabor do perigo:
_Olha não encosta na rede dele senão ele te pega! Aí você não tem como escapar... O vovô quando pega não larga!
Os grandinhos, mais espertos e treinados passavam fácil, os menores eram sua presas fáceis...Eu então, que era meio lentinha e distraída na maioria das vezes era pega! O mais engraçado era que ele não abria os olhos, reconhecia a gente pelo pulso, pelo cheiro, sei lá, nunca errava, pegava a nossa mão ( a dele era grande, morna e macia) e dizia:
_Agora tem que pagar uma prenda!
E com a outra mão alcançava um livro grande e cheio de figuras. Eram as “Fábulas de Esopo”, uma edição antiga de capa dura de páginas amareladas e um cheiro...bem , o cheiro já é outro assunto, mas eu acho que me deixava pegar pelo vovô só para ver as figuras daquele livro e sentir seu cheiro, cada página virada tinha um aroma, as vezes sentia que era uma espécie de colônia de flores igual a que a vovó Lili usava, outras vezes de tabaco ou rapé, aquela coisa que os antigos colocavam no nariz para espirrar, ou até mesmo ungüento de bálsamo benguê junto com naftalina, não sei, já andei divagando sobre esse assunto, só sei que era mágico, o cheiro, as figuras, o mistério.
Um pouco mais tarde, ainda nos 60, pude presenciar uma cena que só mais tarde, muito mais tarde, pude entender. Era 1969 e a ditadura militar oprimia o país, Manaus era Zona Franca de comércio, a opulência e a modernidade nos afrontavam e confrontavam, Manaus era uma explosão de contrastes e antíteses, bem, mas esse também é outro assunto. A questão era que meu pai, poeta e intelectual tinha, obviamente, entre seus títulos alguns “livros vermelhos” confiados à guarda da insuspeitável vovó Lili. Foi quando houve a “batida na Rua Izabel”, os “homens” entravam nas casas numa espécie de caça às bruxas aos “livros vermelhos”. Foi um corre-corre que só vendo, meus primos mais velhos só falavam uma palavra o tempo todo: “subversivos”. Eu achava que era coisa de adulto e não tava nem aí. Mas o pessoal estava muito nervoso e eu me assustei. Foi então que a vovó deu um gritinho e disse:
_Dê-me aqui esses livros Neto(é o meu pai)!
Que prontamente os entregou para serem delicadamente depositados na cristaleira, lado a lado, cobertos por delicadíssimos paninhos de organdi suíço bordados nas beiradas por crochê que ela mesma havia feito, e por cima deles a sua coleção de porcelana chinesa.
Os homens vieram, olharam, remexeram a biblioteca do corredor, embaixo da cama, fizeram uma cara feia, botaram o dedo em riste e foram embora. E todo mundo voltou a respirar. E os “livros vermelhos” foram salvos pelos paninhos de crochê da vovó Lili.

Outro impacto que sofri com a Literatura foi aos 12 anos, após ter acabado de ler a tragédia “Medeia” de Eurípides, fui levada pelos primos mais velhos (agora já no Rio de Janeiro) para ver a peça “A gota d’água” de Chico Buarque. O ano era 1976 e a temporada era com os grandes Paulo Autran e Bibi Ferreira. Não sabia nada sobre a peça, fui assistindo,assistindo e fui tendo uma espécie de alumbramento literário:
_Como assim?... mas... era a mesma estória de “Medeia”!
Que emoção, que sensação de plenitude! E eu descobri o Teatro, na sua magnitude e esplendor. Descobri que as paixões humanas, como dizia Aristóteles, são as mesmas, indiferentes ao tempo, culturas, etnias ou classes sociais. As tragédias sempre acompanharão os homens, porque na essência somos e sofremos igualmente.

Houve um tempo, muito, muito distante em que sonhei ser uma “escritora-daquelas-bem-famosas”, que viveria de sua escrita (por quê não?) e seria adorada por um séqüito de fãs ardorosos. Então comecei a ler, ler de verdade, “um bom escritor antes de tudo é um ótimo leitor” dizia meu pai. E eu lia, lia tudo que me vinha às mãos, como filha de peixe peixinho é... não encontrei muita dificuldade para conseguir um bom livro. Li com entusiasmo pueril as deliciosas coleções das Edições de Ouro em formato de bolso de “Os meninos da Rua Paulo”, “Tom Sawyer e Huckberry Finn” de Mark Twain , “Pollyana”, “Jane Eyre” de Jane Austen , “O livro da Mitologia Grega”, “Capitães da Areia” de Jorge Amado, o qual causou-me grande estranhamento mas fascinou-me também, e como ninguém é de ferro... as “tirinhas” do Ziraldo e os gibis da “Turma da Mônica” é claro!

Mas a gente cresce, o mundo fica meio confuso e as perguntas se proliferam. Busquei respostas, então, com os poetas. Li Cecília, Shakespeare, Neruda, Drummond, Bandeira, Vinícius... e Machado!(como Machado podia ser tãããããão moderno?!) Bom, fiquei mais confusa ainda, porém complexa, consistente! Pelo menos eu pensava assim.

Depois veio a Universidade, Letras é claro. O ano era 1984 e já estava de volta à Manaus. Universidade Federal do Amazonas. Li “A selva” de Ferreira de Castro, um clássico da Literatura Amazônica, descobri a saga dos seringueiros do começo do século XX , fiquei perplexa e orgulhosa de pertencer àquele povo lendário. Era época de Chico Mendes, dos Povos da Floresta, das matanças de índios nos embates por jazidas de minérios valiosos, das ameaças veladas dos Norte-Americanos, todos de olho-gordo em cima das nossas riquezas... Época do “Boto Tucuxi” de Márcio Souza, conterrâneo ilustre. Tempos tumultuados no Norte... Mas tive o privilégio de conviver com o mestre Milton Hatoum, docente da cadeira de Literatura Francesa, figura cativante e enigmática que nos legou o “Relato de um certo oriente”, sua obra-prima, verdadeira obra de arte sob a forma de Literatura.

Descobri os Portugueses por essa época; Eça de Queiroz e seu “Primo Basílio”, Camilo Castelo Branco com “Amor de perdição”, comprei a coleção completa de capa dura de Luis de Camões e me apaixonei irremediável e definitivamente por Fernando Pessoa e todos os seus heterônimos ao ler a “Tabacaria”.

E fui colecionando “alumbramentos literários”: “O corvo” de Edgar Alan Pöe, “A insustentável leveza do ser” de M. Kundera, “O amor nos tempos do cólera” de Garcia Márquez , aquele amor improvável que supera o tempo e o esquecimento. E por fim, “Madame Bovary” de Gustave Flaubert, o qual ainda hoje dorme ao meu lado na mesinha de cabeceira, sempre à mão para um momento de urgência contra a mediocridade. Para recompor-me só Ema Bovary e seu determinismo passional!

Enfim, a Literatura tornou-se o meu território de ilusão, sabia já, a esta altura da vida que não seria aquela “escritora famosa” que tinha sonhado quando criança, mas que importava? Eu me deliciava do mesmo jeito, e isso era para sempre. O meu sonho era para ser sonho, nada mais, o resto a vida traz...

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” Fernando Pessoa -“Tabacaria”

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RITA ALENCAR

sábado, 19 de janeiro de 2008

O presente, a cachorra e o menino pit bull

Aqui da varanda do meu apartamento, pela manhã, eu já vi muito menino pit bull passeando com sua cadela pelas areias da praia, da praia da Barra da Tijuca. Mas houve também noites em que eu vi meninos pit bull batendo em outras cachorras, que é como eles chamam as putas, aquelas que fazem ponto nos pontos de ônibus do outro lado da praia, na outra calçada da praia da Barra.
Aqui da varanda da minha insônia eu penso: será que quando ele passeia recolhe a merda que a cadela dele deixa na areia? Será?! Porque se ele pegasse mais na bosta dela, eu sei que ele era outro, tinha mais chance de virar um homem, respeitando o fato de que o mundo vem com bosta e tudo. Mas não. Ele acha que a puta que faz ponto suja mais a Barra dele, que ele quer tão asséptica, que a bosta da cadela dele. Por isso ele anda em bandos, nos coros, nos uivos, gritando pra jogar pedra nela, pra jogar bosta nela, na cachorra que é feita pra apanhar e que é boa de cuspir, na maldita puta que dá pra qualquer um, menos pra ele. Maldita, ele diz!
Ontem minha cadela de quinze anos morreu, aqui, nessa mesma varanda. Passei uma semana inteira limpando a bosta líquida que escorria-lhe pelas patas trêmulas. Banhei-lhe o rabo fétido, com água tépida, por mais de sete dias, pra lhe dar algum conforto. Aquele nojo que ia me limpando por dentro. Ela me olhava tão humana. Deixava que eu participasse de sua morte, que foi ali mesmo, na varanda com cheiro de mar. Não precisava, mas deixava mesmo assim. Fazia isso por mim. E eu ali dissolvida, imersa naquela profusão de fluidos tão mornos, misturados com sangue e fezes, sem saber, eu me paria. A bacia de água morna, com sangue e fezes, a água turva. A bolsa d´água se rompendo e jorrando, escorrendo pelas minhas pernas dela, e a criança nascendo e chorando, ou a cadela morrendo e gritando, com ou sem placenta, com sangue e fezes. Puta-que-o-pariu!
Meu filho viu tudo. Ele já tem dez anos e achei que precisava ver de onde veio.
Na semana seguinte estávamos parados em um sinal e ele viu o carro da frente abrir a janela. Retiravam sacolas com presentes de Natal e davam pra aquela mendiga suja. Aquela que haviam lhe entredito que enfeiava e maculava tanto a paisagem dos cruzamentos das ruas, das ruas da Barra da Tijuca. Mãe, olha só mãe, acho que eles tão dando presentes! Mãe, tô todo emocionado, mãe! Vamos fazer um dia isso mãe? Eu falei pra ele que talvez, que podíamos ver na igreja com o padre Celso se podia ter criança no dia do sopão dos mendigos, aquele que eu nunca fui. Cheguei em casa e pensei que ainda bem que ele não tinha me dado ouvidos quando expliquei que não era bom dar dinheiro em sinal, porque isso era culpa burguesa, que só estimula a marginalidade e a violência, que não adianta nada e blá, blá, blá. Pensei então que talvez alguma coisa ele tinha aprendido vendo a mãe metendo a mão na bosta da cachorra velha que morria. Respirei aliviada imaginando ele mais velho, transando, quem sabe, com uma daquelas putas, que humanizavam tanto as calçadas daquela que seria a sua Barra da Tijuca.
O meu presente de Natal foi sonhar que meu filho um dia vai contar sobre a noite que passou com uma cachorra pro seu amigo menino pit bull. Aquela noite em que estava só, ou deprimido, desesperado, ou corneado, fodido ou desempregado, mas que foi muito bem amado por uma bendita puta chamada Geni.

Conto inspirado na canção “Geni e o Zepelim”, da Ópera do Malandro de Chico Buarque de Hollanda

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O CAVALO MÁGICO

No primeiro sábado do mês tive o prazer de assistir ao espetáculo “O Cavalo Mágico”, em cartaz no Teatro Ziembinski, sábados e domingos às 17h, até o fim de dezembro.
A peça baseia-se em um conto da tradição sufista — corrente mística que busca relação com divindades através de cânticos, danças e festas — brilhantemente ritmada pelos atores Paulo Verlings, Elisabeth Monteiro e Gustavo Barros. Estes, muito bem preparados, tornam a ousada tarefa de se fazer Teatro (infantil), a partir de um texto literário, uma animada brincadeira.
Com a ajuda do cenário metamórfico, feito com câmaras-de-ar de automotores, de Daniele Geammal, o espetáculo ganha vida, revelando o universo imagético da história do príncipe Tambal que recebe de presente de seu pai um cavalo mágico, feito por um artesão do reino. A direção musical de Charles Kahn é encantadora e nos ajuda a mergulhar num Oriente além do oriente lúdico. O figurino funcional de Marcello Costa deixa os atores libertos às transições rápidas entre um personagem e outro. A luz de Tiago Montovani soma simplicidade e precisão a esse elenco de beleza artística, trabalho sério e dedicação que é “O Cavalo Mágico”.
É claro que, para harmonizar todas essas Artes do fazer teatral, é necessário um diretor que entenda muito o que está sendo feito e não tenha medo de experimentar no jogo cênico novas fórmulas e romper velhos limites da dramatização. O diretor Flávio Souza encontra a nota equilibrada da peça com sua direção cuidadosa e a liberdade dos atores em cena. Tudo isso faz de “O Cavalo Mágico” uma ótima oportunidade para quem deseja assistir a um Teatro Infantil de altíssima qualidade.

O Teatro Ziembiski fica na Av. Heitor Beltrão, Largo da Segunda-Feira – Tijuca e o telefone é: 2254-5399.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

As aventuras de Tito Berius

Faltavam dez minutos para as onze horas da noite quando Tito saiu da aula de canto em Botafogo. A ressaca do dia anterior, ainda lhe causava aquele estado de semiconsciência; próprio de quem, depois de vários copos, bebe mesmo é no gargalo. Mas nada disso perturbava Tito. Poderia-se dizer que sua têmpera era inabalável, e de fato, por trás daquela couraça boemia e cafajeste, estava um verdadeiro leão de aventuras insaciáveis. Apesar de nenhuma perturbação aparente, Tito estava aflito. Não como os desesperados, noviços da imensidão noturna, simplesmente havia algo que ele ainda não resolvera até então, e decidiu que seria feito naquele dia.
Onze horas! Anunciava seu swatch 007 com bipe elegante que, além disso, denunciava tecnologia e sofisticação. Sim, Tito era um homem de posses; mais do que isso, sabia-se valer disso. Combinava sua riqueza à situação que vivia. Contudo, alguma coisa lhe anuviava o pensamento e precisava tomar uma decisão instantânea. Pela primeira vez, ao longo do dia, perguntou a si mesmo se era quinta ou sexta-feira. — Não importava! — Acabou se decidindo, afinal estava no Rio de Janeiro; onde todo dia é dia. Acostumado ao pensamento rápido, dirigiu-se até o rio sul foi até uma livraria e comprou alguns livros de poesia. Passando em frente a um espelho, enquanto se olhava bonito, aquilo que o consumia, de repente clareava em resposta em seu pensamento. Seu reflexo sorria no espaço vazio, enquanto o Tito já deixava o shopping center, pois um plano já estava todo arquitetado na cabeça.
Meia-noite, certo de que não iria mais para casa naquele dia, Tito entrou alegremente em uma farmácia. E ao deixá-la, em seu bolso, contava dezenove preservativos!
Vou ligar para uma putinha. — Era tudo que se dizia baixinho, sem mencionar
palavra, só com um sorriso. Lembrou-se de uma dessas diversas noites em que se divertia, que uma bela prostituta, dera-lhe seu telefone celular caso ele quisesse repetir o que tão maravilhosamente havia feito num desses encontros amorosos. Procurou o papel amassado em sua carteira e lá estava, escrito em letras de forma: um nome, Keith, e oito dígitos. Tito não pode conter o riso lendo esse nome e lembrando o quanto o nome Keith fica bem em uma dessas meninas. Pensou dessa forma, que todas as profissionais do sexo deveriam adotar esse mesmo codinome, pois convenhamos, Keith é muito putinha!
Por alguma razão que não sei explicar. Tito foi até uma banca e comprou um cartão telefônico, sem querer usar o seu celular. Cada um com suas loucuras! Mas se algum de nós pudéssemos aconselhá-lo diríamos ser quase impossível encontrar um orelhão funcionando direito na cidade que já foi maravilhosa, apesar dos esforços periódicos da Telemar para colocá-los operantes. Já na primeira tentativa, dito e feito; a mensagem em luz verde dizendo: AGUARDE... As reticências querem dizer (Tito não o sabia), ETERNAMENTE! Nessa hora, e já passava de uma; Tito pensou em desistir e ir para casa. Porém o espírito aventureiro não o permitia, insistiu. Foi para o outro lado da rua, onde duas cabines eram melhores chances do que uma. Segunda tentativa. Uma voz do outro lado diz alô e eis o dialogo que se segue:
Keith?
É ela, quem está falando? — um pouco impaciente.
É o Tito — pequeno tempo para ser reconhecido e acrescentando logo em seguida. — da mangueira, se lembra aquele dia? Fomos para o Copacabana Palace, eu filmei você enquanto fazia xixi na hidro.
Cara, e aí maluco, beleza?
Então, e hoje, qual vai ser? — Tito partiu para agressão, pois via os créditos do cartão telefônico indo embora. E de repente, numa resposta inesperada, impensada em qualquer tempo por qualquer ser humano, nem mesmo nos anais da literatura universal, Keith solta uma pérola como jamais foi feita:
Estou de férias no trabalho! Casei com um holandês e vamos passar o carnaval em Portugal. Desculpa, mas só volto a trabalhar em março que é quando o meu marido viaja sozinho e eu voto pra Atlântica. — Tétrico e sem respirar, Tito não sabia o que dizer após essa enxurrada. E tudo que conseguiu foi ver os créditos do cartão acabando, enquanto Keith do outro lado dizia “alô, Tito, você ainda está aí?”.
Após colocar o fone de volta no gancho, Tito ainda não se recuperara, mesmo ele, em seu raciocínio rápido foi pego muito de surpresa. Até que seus olhos cruzaram com um pequeno papel colado na lateral interna do telefone público, dizendo: A CHUPADA MAIS GOSTOSA DO RIO DE JANEIRO, STHEPHANY, BOQUINHA DE ANJO, 9999 – 9999.
Tito, subitamente, votava-se para si mesmo como gostava de fazer e sempre lhe acontecia nessas ocasiões, e disse:
— Será?

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

ENSAIO PARA UM NOVO MUNDO

REFLEXÕES SOBRE A MINHA TERRA EM DOIS POEMAS:


Canção do exílio no Brasil

Minha terra tinha palmeiras
Que o fogo devastou.
O sabiá que aqui cantava
Por causa do homem, chorou.

As aves que agora gorjeiam são urubus de prontidão,
Pois as outras que aqui estavam já passaram a extinção.

E muitos de nós, miseráveis, um a um, caímos no chão.
— Carniça disputada pelas almas penadas e as não penadas.

Do céu foram-se as estrelas,
Cobertas pela poluição.
Os bosques, hoje são fazendas
E a vida, desilusão.

Minha terra tinha viço,
Tinha isso, tinha aquilo.
O que sobrou foi lixo.
A terra de Gonçalves Dias há muito não existe mais:
O sabiá, as palmeiras, tudo isso se exauriu.
Mas como é difícil abandonar esse Brasil.

E nos morros ainda cantam
Que ser feliz é andar na favela onde nascem... Ilusões.


Quadrilha de morte

Fernandinho matou VP que matou Uê
que matou Dendê que matou Elias que matou Tim
que não matou ninguém
Fernandinho foi para cadeia e controla o Brasil de lá
VP foi para o lixo onde era o seu lugar
Uê foi jogado no mato
Dendê virou azeite
Elias teve o fim que merecia e Tim
Que não tinha nada a ver com toda essa história triste
Morreu de descaso como nós, verdadeiramente brasileiros,
Morreremos

MANIFESTO DO AMOR E SUBLIMAÇÃO DO HOMEM
OMA ET UE

OMA ET UE pode ser qualquer coisa, mas acima de tudo significa amor absoluto e incondicional ao próximo.

É estar apaixonado pela vida e pela presença simples da natureza e do cotidiano. OMA ET UE não é dogmático, não necessita de crença, e sim, bom senso. O conteúdo não existe mais, esquecemos o que é trocar. É preciso sempre mais e nunca é o bastante. O conceito da nossa busca é propor apenas o uso de um sentimento mais amplo, companheiro, acolhedor, sem fronteiras nem preconceitos.
Dizer “eu te amo” não está mais dando certo. Vamos tentar ao contrário? Surge assim OMA ET UE, resgatando ou tentando dar um novo olhar por cima dos muros do sentimento. Descobrindo um caminho que pode ser nada, mas certamente será uma tentativa nova e que, por mais que não dê certo, otimismo e carinho nunca fizeram mal a ninguém. Muitos já fizeram isso! Simplesmente chegou a nossa vez de tentar. Só estamos colocando do nosso jeito. OMA ET UE pode ser apenas um gesto, um sorriso, uma lágrima olho no olho, ou qualquer amor que seja de verdade entre duas pessoas que se cruzam no meio da multidão.
É como em uma passagem de luz de coração a coração.
O mais importante é pensar sempre no simples: beije, abrace, diga uma palavra de carinho ou afeto, console... OMA ET UE.

O resto não pode ser silêncio.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Missa do Galo

MISSA DO GALO Simone Isnard

Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu 48, ela um pouco mais. Era uma tarde de novembro. Havendo-a conhecido semanas antes no sítio de sua irmã, no Recreio dos Bandeirantes, forçou passagem para que eu a recebesse em minha própria casa; isso feito, tendo ela ido embora, fiquei muitos anos sem entender a que veio.
Ligara-me na véspera às 11 da noite. Irritada, que tinha telefonado várias vezes antes. Trabalhando num hotel, eu chegava mesmo tarde. Ah, queria me convidar para ir ao bingo. Saco!
Dias antes insistira em me visitar, ir a minha casa para um café. Mas eu tenho a faxineira... Não tinha importância. Que ia assim mesmo.
Carmem veio. E chegou com fúria espanhola. Café? - Tomaria mais tarde... Sabia que queria livrar-me dela. Fez como um gesto de autoridade, a dizer que tomaria o café quando bem entendesse. Nervosa, suava na testa, olhava fixo para mim.
Discorreu sobre a sua vida e mais longamente ainda a da irmã, terapeuta de família, como se eu tivesse o máximo interesse. Perguntou sobre minhas irmãs: – Vocês se ajudam, assim entre vocês...? Levando-a até a varanda, debrucei-me na grade e silenciei olhando a vista. De caso pensado. Visões externas ventilam as idéias, quem sabe o pensamento se espraia, se dispersa. E ela ia embora de vez.
Não foi. Retornava ao mesmo assunto, queria era falar do homem: o Teseu, aquele que me levara ao sítio. Eu desconversava. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros. Para isso viera. Aí virei bicho e resolvi: - Agora mesmo é que não vou dizer nada!
Os retratos sobre a arca da sala, a faxineira zanzando e batendo porta. Que mais ela queria saber? Por que não ia logo embora?
E falava e falava do Teseu sem parar. Só parou para o café. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família. Que era bom pai, bom cunhado. Que as mulheres corriam atrás dele, telefonavam. Que ele tinha energia demais... Que era construtivo com a família. Que quem ama cuida! E avisou: se eu ficasse com ele seria só a parte de baixo... Ah, xarope de mulher.
Lá no sítio, na varanda do casarão mineiro, ele me dera um beijo, onde estavam todos?, um beijo até longo, que raio de sumiço foi esse de todos ao mesmo tempo. Me lembro que cuidei pra que não estivessem olhando. As portas azuis fechadas. Será que estavam espreitando pelas frestas, escutando? Ih, neura, gente doida. Todos colados em nós e de repente somem.
Os retratos com as filhas, abraçadas a ele, sobre as prateleiras. Bonitos dentes, falei. Ah, comentário interessante.
O almoço com a galera à mesa, ele numa cabeceira, a ex na outra, o circo da família armado. De repente ele diz:
- O meu empregado falou pra ela (apontando pra mim) que em Minas se mata cobra à bala! Virgem, eu pensei. Tiroteio na mesa! Fugir pra onde, debaixo da mesa? Abaixa a cabeça que alguém vai morrer aqui e agora. Olha a bala perdida....
Levantando-se na outra cabeceira, Hera ergueu-se na forma de um dinossauro cuspindo fogo pela boca, olhos tentaculares:
- E o empregado, hein, tinha apanhado a Carmem no horário na rodoviária? Tudo certim?
Eu quase sentia a respiração de Carmem, colada em mim.
O parabéns cantado com bolo, soprando velinha, labaréu de fogo saindo pelas narinas de Hera. Horror. E depois um: Pra Beatriz tudo ou nada! Tudo! Ra-tim-bum! Cruzei os braços sem querer. Devo ter arregalado muito os olhos, impossível disfarçar o meu espanto.
Depois do café a zanzação na varanda, a minha saída-de-praia tinha sumido, nunca mais encontrei, será que pegaram foi pra fazer macumba contra mim? E a agendinha de capa de plástico azul jogada sobre a mesa. Alguém tirou da minha bolsa. Por que mexeram na minha bolsa? Quem mexeu aqui?! Falta de respeito!
Peguei um gancho em uma conversa sobre terapia de família e lasquei divertida:
- Com certeza ele (o Teseu) precisa de psiquiatra de plantão 24 horas por dia!
Recadinho esperto... Uma gaiola partiu em busca de um pássaro, é de Kafka isso, não?
Ah pra quê! A dinossauro-terapeuta desandou a cuspir fogo pra todo lado. Levantou as patas para o alto, soltou um rugido e deu uma rabanada que tirou a mesa do lugar, cadeiras até viraram. Quem manda aqui sou eu! Tá pensando o quê?
Recompôs-se, disfarçou a raiva: convidou geral pra ir até a horta ver a plantação de hortaliças. No rastro do rabo flamejante que varria o chão derramadas a raiva, a morte, a gosma fermentada.
Ele, o Teseu machucador que me levou lá, nem sabia que dinossauros herbívoros existem.
Pois continua sem saber. Não viu nada, não percebeu nada. Não sacou o teatro, nem ouviu além do que quis ouvir.
Quando me queixei, não quis saber. Quando falei que ia embora, não se tocou.
Foi por acaso que vi o seu Escort vermelho parado na rua em frente ao Planetário na manhã de natal. Lembrei-me de que me contara que quando as filhas eram pequenas vestiu-se uma vez de Papai Noel. Chegava da farra, cheio de bebida. Foi logo reconhecido, claro, era o paizão. O pavão. O galo da missa do galo.
Pássaros, galos, pavões, galináceos demandam liberdade para voar.
Durante a missa de Natal, a figura de um dinossauro alado com chifres de plástico azul interpôs-se entre mim e o padre; rodopiava pela nave, sainha vermelha rodada, o rabo, enorme, chocalho de cascavel na ponta, na cabeça um gorro de Papai Noel. Subia e descia, exibindo com galhardia o rabão obsceno. Na esteira, uma poeira de Netuno, névoa de estrelas, me turvava a vista. Eu caí numa espécie de sonho magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos.
Dinossauro... Minotauro... centauro... missa do galo... missa do falo...
O animal encolhia, ganhava pernas e penas, metamorfoseava-se em outros, agora um pavão, agora uma galinha, agora era uma cobra de belo desenho geométrico, boca aberta. Como uma faísca coruscante, avançou para a imagem toda branca de Nossa Senhora e tentava morder-lhe os pés, no colo o bebê aconchegado, sugestivo desenho de útero em forma de pêra. Era agora uma corda faiscante moribunda desaparecendo em estertores ondulantes.
Silêncio. Garças brancas partiram da base da imagem, as patas compridas setas atiradas em todas as direções, dardos inflamados contra o inimigo.
A conversa ia morrendo. Chegamos a ficar por algum tempo – não posso dizer quanto – inteiramente caladas. Quando Carmem foi embora naquele fim de tarde, tinha um ar de triunfo perverso, de quem cumprira o dever, doesse a quem doesse. Farfalhou as saias, bateu o salto dos sapatos no calcanhar: missão ibérica cumprida. Ordem no galinheiro, el toro estava domado.
Passados 12 anos, completado outro ciclo de Júpiter, eu ainda não compreendera totalmente os fatos. Era o aniversário de 60 anos da Beatriz, iam celebrar num restaurante. Eu disse a Teseu machucador que enviasse a Carmem um alô de minha parte. Até me deleitei com a provocação. Ah como queria estar lá para ler-lhe a face, os pensamentos. Tive que contentar-me apenas com um: - Dei o seu recado.
- E aí?
- E aí nada!...